Publicado em 04/12/2013
Governo mineiro superfaturou até
medicamento para combate a AIDS
Ação Civil Pública visa punir dirigentes da
Fundação Ezequiel Dias que
montaram esquema criminoso para beneficiar
laboratório farmacêutico
Engrossando o rastro de irregularidades e corrupção
praticadas por integrantes do governo mineiro, o Ministério Público de Minas
Gerais ajuizou no último dia 11/11, uma Ação Civil Pública visando ressarcir o
erário público e punir dirigentes da Fundação Ezequiel Dias (Funed) por graves
irregularidades cometidas para favorecer o laboratório paulista Blanver
Farmoquímica Ltda em contratos de industrialização de medicamentos que
ultrapassam a cifra dos R$ 30 milhões.
Comprovou-se que houve sobrepreço, direcionamento
de licitações e mesmo ausência de pregão na terceirização de produção de
remédios para o combate à AIDS, os chamados antirretrovirais, fornecidos para o
Sistema Único de Saúde (SUS).
Em entrevista à imprensa tão logo o
fato foi denunciado, a promotora de Justiça de Defesa da Saúde Josely Ramos
Pontes informou que essa não era a primeira investigação que envolvia Blanver e
Funed. "Temos pelo menos seis volumes de documentos. Pela primeira vez, no
entanto, estamos vendo dispensa de licitação, o que é um indício forte de
irregularidades".
A primeira suposta irregularidade teria
ocorrido, em julho de 2006, quando a fundação do governo mineiro assinou termo
aditivo em contrato já existente com a Blanver solicitando a produção de 6
milhões de comprimidos de lamivudina+zidovudina 150mg+300mg. O
medicamento, que integra o coquetel antiAids distribuído pelo SUS, não fazia
parte dos lotes licitados no pregão vencido pela Blanver em março do mesmo ano.
O preço dos comprimidos: R$ 401,4 mil.
O termo aditivo alterou o contrato ao
incluir um novo medicamento que não fazia parte dos lotes licitados. O correto
seria fazer uma nova licitação. O que complica ainda mais a questão é o fato da
Blanver não ter qualquer experiência na fabricação de antirretrovirais e mesmo
assim a diretoria industrial da Funed emitiu atestado de capacidade técnica de
que a Blanver atendia plenamente as exigências para a produção da lamivudina +
zidovudina 150/300mg.
Em janeiro de 2007, a procuradoria da
Funed chegou a notificar a empresa por atraso na entrega dos antirretrovirais.
O laboratório alegou "problemas de produção e garantiu ter adquirido novos
equipamentos para resolver os atrasos, além de realizar novos procedimentos
operacionais de qualidade".
Os contratos que teriam beneficiado a
Blanver foram fechados pelo então diretor industrial da Funed, Dalmo Magno de
Carvalho. Em março de 2007, Whocely Victor de Castro assumiu o cargo no
lugar de Carvalho e decidiu licitar o serviço de industrialização da lamivudina
+ zidovudina 150/300mg até então entregue à Blanver.
A Pharlab Indústria Farmacêutica foi a
vencedora, com o preço de R$ 149,3 mil para a produção de 6 milhões de
comprimidos. No termo aditivo que permitiu ao Blanver produzir o
antirretroviral sem licitação, o preço cobrado foi de R$ 401,4 mil, ou 300%
maior.
Ocorreu ainda a inobservância dos
procedimentos padrões da Funed no pregão de 24 de junho de 2008 ao decidir
licitar, em apenas um lote, a produção de 11 medicamentos básicos, entre eles
ácido fólico, paracetamol e furosemida. Até então, as licitações eram divididas
em um lote para cada item, favorecendo a participação de mais laboratórios e
reduzindo a dependência da Funed em relação a eventuais problemas de produção.
A Blanver foi à vencedora do certame,
que resultou num contrato de R$ 16,3 milhões. Os medicamentos eram os mesmos
que estavam no pregão 04/2005, até então a cargo de cinco laboratórios.
Consta da denúncia apresentada que a exceção eram os líquidos e
"Coincidentemente, a Blanver não tinha linha de produção para medicamentos
líquidos".
De acordo com a Lei de Licitação, os
lotes licitados em 2005 poderiam ser renovados até 2010. A Funed não explicou
os motivos da mudança de procedimento, e a Blanver informou apenas que "a
licitação favoreceu a concorrência".
Os contratos investigados foram
firmados entre 2006 e 2010. Para atender à crescente demanda do SUS, a Funed,
que fabrica os medicamentos, precisou terceirizar parte da produção.
Sem licitação, remédio contra Aids custou três
vezes mais
Em junho de 2008, a Funed realizou novo
pregão, desta vez para contratar empresa para industrialização de nevirapina
200mg, usado no tratamento da Aids e da hepatite. A Blanver venceu com o preço
de R$ 1,9 milhão, acima da estimativa inicial da fundação antes do certame. Os
representantes das empresas Mappel e Pharlab, que também estavam na disputa,
deixaram a sessão antes do término.
No dia 13 de março de 2009, a Funed
firmou contrato sem licitação no valor de R$ 2,432 milhões, com a Blanver, para
a produção da mesma nevirapina. Como havia um contrato em vigor para produção
desse remédio, a Funed poderia simplesmente prolongá-lo, como prevê a
lei.
Além de dispensar a licitação no novo
contrato, a fundação pagou 28% a mais pela nevirapina ao laboratório Blanver, o
que significou uma diferença de R$ 532,8 mil aos cofres públicos de
Minas.
O modus operandi se repetiu em outros
contratos. No dia 30 de maio do mesmo ano, a Funed contratou novamente a
Blanver sem licitação, desta vez para a produção de 8,2 milhões de comprimidos
de lamivudina+zidovudina 150/300mg. O valor: R$ 6,2 milhões, por 180 dias. O
preço por unidade foi de R$ 0,75.
A lamivudina + zidovudina é o mesmo
medicamento que a Pharlab já produzia na data do contrato para Funed, após
vencer pregão realizado em 2007, com preço unitário três vezes menor: R$ 0,25.
Documento que fundamenta a matéria: