23
DE MAIO DE 2014
A ARROGÂNCIA
DA IGNORÂNCIA: CIVILIZAÇÃO
OU BARBÁRIE
Espanta-me a quantidade de jornalistas,
colunistas e pretensos "formadores de opinião" que se arvoram
"autoridades" em todos os assuntos, os "conhecedores", que
"se acham",
os chamados "donos da razão"
Tenho profunda admiração e predileção
pelos humildes e pela humildade, em detrimento da soberba e dos soberbos
[gentileza não confundir humildade com subserviência, pois são coisas
distintas].
Por isso, espanta-me a quantidade de jornalistas, colunistas e
pretensos "formadores de opinião" que se arvoram "autoridades"
em todos os assuntos, os "conhecedores", que "se acham", os
chamados "donos da razão". Parece até que eles têm de fato o poder, o
dom de mudar e ditar os rumos da sociedade e do país. Será que têm mesmo?
Da minha parte, tenho a exata noção da
minha relativa importância ou relevância (ou da minha desimportância e
irrelevância) na condição de mero cronista que, aqui neste site, tem assegurado
o importante espaço para tecer comentários, quase sempre superficiais, sobre
assuntos diversos da vida e da sociedade, seus costumes e valores, e sobre a
cena política brasileira. Em verdade sou mais um reles cronista, que conta,
quase sempre, com a valorosa contribuição de alguns poucos leitores
comentaristas, alguns até mais versados e qualificados, diga-se, sempre
acrescentando ou complementando os temas e ideias abordados/propostos, com
outros pontos de vista e informações. Aliás, confesso-lhe, esse é o
"grande barato" de escrever para a chamada "blogosfera
progressista".
Como faço desde há muito, por força de
ofício, leio inúmeras matérias e artigos de jornalistas e colunistas, os mais
diversos, bem como assisto e escuto muitos comentários na TV e no rádio, que
dão a nítida impressão que o mundo começou a existir a partir da presença
imperial, da magnanimidade ou da divina vontade daquele indivíduo.
Tem gente que tem a pretensão de
abalizar, autorizar ou condenar as coisas inerentes à dialética do mundo e seus
antagonismos. Como, por exemplo, um protesto ou uma manifestação social (por
definição, um manifesto público da sociedade, de seus agentes sociais). É
incrível e, arrisco-me a dizer, até "patético".
Mas alguns destes indivíduos realmente
"se acham" e, aparentemente, perderam o senso das coisas.
Ora, uma manifestação
social é fruto e consequência de diversos e múltiplos fatores, que vão desde o
interesse mais comezinho e corporativista dos cidadãos (ou de determinado grupo
de cidadãos), a expressão de suas legítimas ambições pessoais, de seus
interesses partidários, suas carências e aspirações, de suas demandas e
consciência de classe (ou da falta desta), suas idiossincrasias, seu niilismo
etc. É legítimo, e até desejável numa democracia, que os cidadãos se
manifestem. Sob a égide e o respeito à lei, por suposto. Logo, pode se inferir,
os intitulados e afamados "Black Blocs" não se enquadram nessa
legitimidade e legalidade aqui aludida.
Portanto, por princípio, um
jornalista, um intelectual, seja ele um escritor ou um sociólogo, ou mesmo um
mero blogueiro, por exemplo, não poderia/deveria, ao menos em tese, para o bem
da sua credibilidade, julgar se determinada manifestação ou movimento social é
"bom" ou "ruim"; tampouco condená-los ou demonizá-los. Cabe
a esses profissionais citados o papel de observar, analisar, ponderar e tentar
abarcar os diversos fatores, ambições e carências que conduziram àquela
manifestação ou àquele conflito de interesses. E submetê-los à apreciação e
julgamento do leitor. Repito: em tese.
Não caberia a rigor, quero crer, a um
bom jornalista, ou mesmo a um autêntico intelectual, a priori, ser, de modo
dogmático e voluntarista, a favor ou contra determinado governo –
excetuando-se, claro, aqueles regimes ditatoriais que não respeitam as
garantias básicas da cidadania e os direitos humanos, que devem ser
peremptoriamente rechaçados.
Deve/pode até ter as suas preferências
partidárias e ideológicas, mas não deve/pode permitir que essa sua
"predileção" cegue o seu juízo crítico e a sua capacidade de
informar, da forma o mais isenta possível, ao seu leitor. Este fundamento [da
isenção], por motivos óbvios, não se aplica, vale lembrar e ressalvar, aos
textos de opinião e aos editoriais.
Como posso condenar protestos e
manifestações pacíficas do MTST se, sabe-se, temos um déficit habitacional de
cerca de 6 milhões de moradias? Portanto, é prudente que prestemos atenção ao
que tem a nos dizer o MTST e suas lideranças.
E por que toco neste assunto/tema – podem estar se indagando os meus leitores mais atentos e críticos?
Por que ultimamente vimos percebendo um recrudescimento da intolerância por parte dos agentes sociais [da população em geral]. E, acredito, uma das causas dessa "explosão", além da incompetência de nossos governantes em geral, claro, está nos reiterados artigos e reportagens publicados e exibidos nos últimos anos na grande imprensa, excessivamente contaminados pelo sensacionalismo, partidarismo e "espetacularização" da notícia [a única preocupação parecer ser vender jornal ou ganhar pontos valiosos no Ibope e assim veicular mais inserções e espaços publicitários].
E, também, decerto, como consequência dos comentários açodados e inconsequentes martelados por certos(as) âncoras boquirrotos (as) nos telejornais.
Ando muito de ônibus, trem, metrô e
táxi e tenho escutado, ultimamente, muitos "arrogantes da
ignorância", verdadeiros bonecos de ventríloquo desses deformadores de
opinião, defenderem a pena de morte, linchamentos ou extermínio de supostos
criminosos; discursos homofóbicos etc. Vejo alguns condenarem, com tamanha
exaltação e indignação, a suposta "fazenda milionária" do filho do ex-presidente
Lula [ na verdade, a foto da tal "fazenda" retrata a ESALQ-USP:
Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz].
Escuto
outros tantos culparem a presidente Dilma pela falta de água, transporte
coletivo e segurança pública [competências, como se sabe, dos Estados e
municípios].
Um sujeito me disse certa feita que
deveriam jogar os viciados em crack em alto-mar. Por aí prosseguem os
barbarismos e barbaridades. O curioso é que as pessoas falam isso com a maior
segurança, agressividade e destemor, como se estivessem falando a coisa mais
certa e sensata deste mundo.
"Não vai ter
Copa", diz um lema bastante difundido/alardeado nos dias que correm. Como
assim "não vai ter Copa"?! Não vai ter Copa para quem? Quem definiu,
assim, de modo tão definitivo, autoritário e emblemático que não vai haver
Copa? Como assim?!
O país assumiu um sério compromisso em
âmbito internacional, investiu tempo, trabalho e recursos para esse fim. De
repente, alguns poucos se arvoram a dizer que "Não vai ter Copa".
Ainda mais aqui no chamado "país do futebol"?! Percebe a prepotência,
arrogância e quero crer, infantilidade/imaturidade dessa frase de efeito? Será
que algum dia alguém dirá "Não vai ter Carnaval!"?
Outra coisa, bastante distinta, de se
dizer ao léu, de modo gratuito e inconsistente, que não vai ter Copa é
protestar, de modo pacífico, contra os gastos dispendidos para a realização
deste evento. E assim questionar, com maturidade e argumentos sólidos, a
prioridade dos gastos incorridos.
Outro exemplo de
"arrogância da ignorância" são esses episódios recentes de supostos
"sindicalistas" que, à margem de tudo que se aprendeu em décadas de
história do trabalhismo e de prática sindical no país, num frontal desrespeito
à decisão de assembléias soberanas, declaram e impõem greves, ao arrepio de
acordos "apalavrados", da vontade dos trabalhadores, da chamada base
sindical (os representados e associados) e dos dirigentes.
Em face dessas ações sub-reptícias,
que afrontam a ética e a lei, essas práticas já estão sendo chamados por alguns
de "banditismo sindical" ou "golpismo sindical". Precisamos
estudar/analisar melhor o alcance e consequências desses fenômenos recentes. Ao
que tudo indica, "gêmeo siamês" daquela outra recente pretensão de se
fazer política sem partidos políticos. Parece que alguns poucos resolveram
também fazer sindicalismo sem sindicato.
Sei
não... Mas desconfio que nós educadores, religiosos, intelectuais, artistas,
escritores e jornalistas estamos nos omitindo do nosso papel de informar e
educar, de um modo minimamente digno e isento, os cidadãos brasileiros.
Sei
não... Mas resta-me a impressão de que não estamos edificando uma nação
fundamentada no respeito ao dissenso e às essenciais e inevitáveis diferenças
entre os indivíduos. Tenho a impressão que estamos fomentando a formação de
bárbaros, vândalos e ignorantes.
Parece-me
que não era exatamente esse tipo de sociedade, nada edificante, que queríamos
construir.
Parece-me
que estamos trilhando, a passos céleres, os descaminhos que nos conduzirão à
barbárie.
Não lhe parece?
* Lula
Miranda
Poeta, cronista e economista. Publica artigos em veículos
da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos,
Observatório da Imprensa e Fazendo Média