11
DE JUNHO DE 2014
QUEM TEM
MEDO
DA PARTICIPAÇÃO POPULAR?
Política Nacional de Participação Popular desperta nova onda
de histeria na mídia tradicional; revista Veja, de Gianca Civita, fala na
criação de sovietes; Fernão Mesquita, herdeiro do que restou do Estadão, chama
decreto 8.243 de "golpe contra a democracia"; iniciativa do governo é
taxada de "bolivariana"; na verdade, o que há por detrás dessa
distorção factual de cunho ideológico é uma medida que aprofunda e aperfeiçoa a
democracia brasileira; conselhos populares sobem de patamar como organismos
formuladores, garantidores e aplicadores de políticas sociais; movimento está
em sintonia com viés das maiores democracias do mundo, como a dos Estados
Unidos, que caminha para a institucionalização
do orçamento participativo;
grita era esperada
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– O papel, como se sabe, aceita tudo. Neste momento, em
editorais como o da edição atual da revista Veja, do empresário Gianca Civita,
no rancor de um dos herdeiros do que vai restando do jornal O Estado de S.
Paulo, Fernão Mesquita, e em diferentes páginas da mídia tradicional e
familiar, o papel está aceitando uma grande distorção factual provocada pelo
viés ideológico. Trata-se do enfoque dado ao decreto 8,243, assinado no mês
passado pela presidente Dilma Rousseff, que estabelece a Política Nacional de
Participação Popular.
Classificado como a criação de soviets no Brasil, de
ultrapassagem dos poderes constitucionais do Congresso e, é claro, de
"golpe contra a democracia", o decreto nem sequer dá abertura para
este tipo de teoria da conspiração.
Na medida em que reconhece os conselhos populares como
fontes capazes de formular e garantir a aplicação de políticas sociais, a
iniciativa simplesmente dá praticidade a diferentes artigos da Constituição de
1988. O texto central da democracia brasileira estabelece como forma legítima
de participação da população a criação de organismos para o maior ativismo
social. Nada de novo em relação ao que os constituintes eleitos pelo povo
deixaram em aberto 26 anos atrás. Cabia tanto à sociedade quanto ao governo
tornar aquelas palavras em verdade material.
É o que aconteceu agora.
No ano passado, quando
as manifestações de junho alertaram todo o País sobre as muitas fissuras
existentes entre o desejo popular e a realização oficial, formou-se um consenso
em torno da necessidade de se dinamizar formas de maior participação coletiva
nas instâncias decisórias. Pensou-se até mesmo em candidaturas avulsas à
Presidência da República. Todas as ilações extraídas das passeatas foram
respeitadas pela mídia tradicional, atenta à imensa perda de leitores que uma
trombada com as ruas iria provocar.
De uma hora para outra,
a mesma Veja agora taxa de soviets o que, na verdade, são associações de
moradores de bairros de grandes cidades, entidades de classe formadas à margem
dos sindicatos cartoriais e formações legítimas do público em torno de suas
realidades locais.
Antes, porém, diante do calor emanado pelas ruas,
cobrava-se uma ligação maior entre o governo e as massas – e dizia-se, com
todas as letras, que isso não seria feito com êxito apenas por meio da eleição
de vereadores, deputados, senadores e cargos executivos como os de prefeitos,
governadores e presidente. Não houve que não avaliasse, corretamente, que era
preciso ampliar a forma de representatividade do governo nas cúpulas
decisórias.
É exatamente essa
ampliação de representatividade com legitimidade que o decreto 8.243 oferece à
sociedade. Mais uma válvula de escape, mais um canal de diálogo. Em lugar de
golpe contra a democracia, como situa Fernão Mesquita, o ex-diretor do finado
Jornal da Tarde, que ele próprio conduziu ao abismo, o que se tem é exatamente
o contrário. O gesto da presidente Dilma, ainda mais corajoso na medida que, já
se sabia, insere mais um ruído contra ela na mídia tradicional, apenas
aprofunda e dissemina a democracia brasileira.
Até os Estados Unidos, maior democracia do mundo, já
estudam estabelecer a prática de orçamento participativo em suas ações de
governo. Na Europa, as consultas populares diretas são frequentes na forma de
plebiscitos e referendos. A Política Nacional de Participação Popular segue
nessa mesma direção.
O público que está organizado ou passar a se organizar em
torno de bandeiras próprias e específicas sabe, a partir de agora, que jamais
estará agindo de maneira clandestina ou ilegal e, mais ainda, recebe um
mecanismo constitucional, criado à luz do dia, para exprimir e fazer valer suas
necessidades. O que se vê além disso, como comunismo ou bolivarianismo, são
apenas manifestações do atávico, histórico medo que as elites tem do povo.
Era esperado.