02/08/2014
POR LEONARDO
DUPIN*
Uma
distância de apenas 14 quilômetros separa os dois escândalos recentes da
política nacional que envolvem dois senadores por Minas Gerais, o ex-presidente do Cruzeiro,
Zezé Perrela (PDT) e o candidato a presidente Aécio Neves
(PSDB).
A pista de pouso e decolagem construída
durante o governo de Aécio Neves em Cláudio, no Centro-Oeste mineiro, em um
terreno que pertenceu a fazenda do tio avô do candidato tucano fica distante 14
quilômetros de Sabarazinho, um povoado de Itapecerica, também no Centro-Oeste
Mineiro, onde o helicóptero da empresa Limeira Agropecuária, da família do
senador Zezé Perrela, fez uma parada para reabastecimento carregado com 445kg
de pasta base de cocaína, em novembro do ano passado.
A
parada em um ponto de Sabarazinho aconteceu três horas e meia antes da
apreensão da aeronave por policiais militares e federais em um sítio em Afonso
Cláudio, no Espírito Santo. O valor da carga é estimada em R$ 10 milhões,
podendo multiplicar por dez com o refino. Segundo o inquérito da PF, o
carregamento foi feito em Pedro Juan Cabalero, no Paraguai, e tinha como
possível destino Amsterdam, na Holanda, o que configura tráfico internacional.
No dia 20 do mês passado, reportagem do
jornalista Lucas Ferraz, da “Folha de S.Paulo”, revelou que Aécio Neves construiu
a pista na fazenda que pertenceu a seu tio-avô, além de ficar próxima a uma
propriedade da família do candidato.
Na
última semana, Aécio Neves admitiu que já usou a pista, mesmo o espaço ainda
não tendo sido homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil.
O
investimento do governo mineiro para a construção da pista foi de R$ 14
milhões. Cláudio tem 25 mil habitantes e está distante 50 quilômetros de
Divinópolis, onde já existia uma pista de pouso e decolagem.
O
cruzamento dos dois escândalos – do helicóptero e da pista – é comprovado pelos
documentos considerados sigilosos do inquérito da Polícia Federal (PF), que
este repórter teve acesso.
A PF
constatou, com base no rastreamento do GPS do helicóptero e nas anotações do
plano de vôo dos pilotos, ambos apreendidos e examinados pela perícia técnica,
que o helicóptero carregado com quase meia tonelada de pasta base de cocaína
parou em um ponto próximo ao povoado de Sabarazinho.
Segundo
o inquérito da PF, no dia 24 de novembro de 2013, às 14h17, aproximadamente
três horas e meia antes do helicóptero ser apreendido pela polícia no município
de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, a aeronave ficou parada por trinta
minutos numa fazenda do povoado, onde duas pessoas aguardavam o pouso com
galões de combustível.
A
localidade fica a 14 quilômetros da pista de Cláudio e também das fazendas da
família Tolentino, onde nasceu Risoleta Neves, esposa de Tancredo Neves e avó
de Aécio Neves.
O
município de Cláudio chega, inclusive, a ser citado no inquérito na análise das
mensagens telefônicas dos pilotos, que foram captadas pelas Estações de Rádio
Base (ERB), que são os equipamentos que fazem a conexão entre os telefones
celulares e a companhia telefônica.
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Mapa mostra distância entre a
pista de pousoe o local em que o
helicóptero parou para reabastecimento

Detalhe do inquérito da PF, com o local de parada
do helicóptero em Sabarazinho
Suspeita que não foi desvendada
O helicóptero foi apreendido no dia 24 de novembro. Três dias depois, 27 de
novembro, após a apreensão ganhar destaque na mídia, o proprietário da terra
fez uma denúncia para a Polícia Militar de Divinópolis. Segundo a PM, tal
denúncia foi feita de maneira “anônima”.O proprietário afirma que avistou um helicóptero
sobrevoando a região em baixa altitude e depois encontrou em suas terras 13
galões, de 20 litros cada, com substância semelhante a querosene.
Como o
Boletim foi realizado após a apreensão do helicóptero, o delegado da Polícia
Federal em Divinópolis, Leonardo Baeta Damasceno, afirma no inquérito não
descartar o envolvimento de pessoas da região e recomenda como imprescindível
uma diligência sigilosa no local, para saber quem são o dono do terreno e as
pessoas que tem livre acesso ao local.
Porém, ainda
de acordo com o inquérito que esse repórter teve acesso a diligência não foi
realizada. Em outra página do inquérito, o proprietário é inocentado sem
explicação convincente, dessa vez por documento assinado pelo agente da PF,
Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli, que afirma: “A total isenção da propriedade e
de seu proprietário na empreitada criminosa, restando, portanto, a terceiros
sem ligação com o local, a atuação delituosa de reabastecimento da aeronave”.
Trecho do
inquérito descartando a investigação no local do abastecimento em Sabarazinho
Parente é serpente
Tancredo Aladim Rocha Tolentino é primo de Aécio Neves e filho de Múcio Guimarães Tolentino, o
tio-avô do candidato tucano que teve a terra desapropriada para a construção da
pista em Cláudio. Quêdo, como é conhecido, é o
responsável, segundo o jornal Folha de São Paulo, por controlar a chave do
aeroporto público de Cláudio, que fica distante seis quilômetros da fazenda
frequentada por Aécio Neves.
Em
2012, Quêdo tentou se candidatar a prefeito de Cláudio, mas foi impedido pela
lei da Ficha Limpa devido a pendências judiciais. Meses antes, Quêdo foi preso
na operação “Jus Postulandi”, da Polícia Federal, por participar de uma
quadrilha especializada na venda de habeas corpus para traficantes de drogas.
Quêdo,
segundo a denúncia, fazia a intermediação do negócio. Ele recebia a quantia,
que variava entre R$ 120 mil e R$ 240 mil dos traficantes, ficava com uma parte
do dinheiro e repassava o restante ao desembargador Hélcio Valentim, que
determinava a expedição de alvará de soltura dos presos.
Em
três casos descritos na denúncia realizada pelo subprocurador-geral da
República Eitel Santiago, as liminares foram negociadas para favorecer presos
por tráfico de drogas. Um dos beneficiários foi preso em flagrante, em julho de
2010, num sítio do distrito de Marilândia, também pertencente a Itapecerica,
com cerca de 60 quilos de pasta-base de cocaína.
O
processo será julgado no STJ e Quedo responderá por formação de quadrilha e
três vezes por corrupção, duas delas
“ativa qualificada”.
Trechos da denúncia do procurador Etiel Santiago,
que acusa o primo de Aécio Neves
de participar de uma quadrilha de venda de habeas
corpus para traficantes de drogas
* Leonardo
Dupin é jornalista e doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.
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