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‘RISCO DA LAVA JATO ESTÁ
NA COBERTURA DA IMPRENSA’
Jornalista e escritor
Luciano Martins Costa diz que "alto risco dessa operação reside no fato de
que sua continuidade pode depender do empenho da imprensa em dividir com
equilíbrio e de forma equânime as responsabilidades, sem omitir ou dissimular as
culpas conforme a filiação partidária dos acusados"; segundo ele, mídia
está diante de um dilema: persistir em datar o processo a partir do ano de 2013
ou investigar as origens do escândalo, denunciado pelo jornalista Paulo Francis
em 1997
17/11/2014
OPERAÇÃO LAVA JATO
Paulo Francis
não morreu
Por Luciano Martins Costa
Os jornais do fim de
semana registram o que pode vir a ser o ponto de inflexão das relações viciadas
entre a política e os interesses privados no Brasil. A prisão de 24 altos
executivos, entre os quais quatro presidentes de grandes empresas e um
ex-diretor da Petrobras, coloca nas mãos da Justiça o material necessário para
aprofundar as investigações sobre a corrupção e passar a limpo o sistema de
financiamento de campanhas eleitorais.
A última etapa da ação
policial está sendo chamada de “Juízo Final”. Os jornais dizem que serão
citados pelo menos 70 senadores e deputados. Também está publicado que todos os
partidos, com exceção do PSOL, foram financiados pelas empreiteiras acusadas no
escândalo.
O evento coloca o Brasil
diante da possibilidade de levar à frente uma “Operação Mãos Limpas” como a que
sacudiu as instituições italianas nos anos 1990. O alto risco dessa operação
reside no fato de que sua continuidade pode depender do empenho da imprensa em
dividir com equilíbrio e de forma equânime as responsabilidades, sem omitir ou
dissimular as culpas conforme a filiação partidária dos acusados. Deve-se
lembrar também que o esquema descrito pelos jornais na segunda-feira (17/11) é
uma cópia exata do “clube de fornecedores” revelado no escândalo do metrô de
São Paulo.
Entre as muitas páginas
publicadas desde sábado (15), apenas a Folha
de S. Paulo dá espaço para os
dois pontos que irão definir o alcance da ação policial. Num deles, o colunista
Luiz Fernando Viana (ver aqui) critica a omissão da
imprensa em buscar as origens do esquema de corrupção que envolve gestores
públicos e fornecedores de produtos e serviços ao Estado. O jornalista
questiona: “Por que passamos a achar que nos cabe apenas noticiar os
acontecimentos mais recentes, sonegando ao leitor informações que ampliariam
sua capacidade de discernimento?”
No outro exemplo, o
articulista Ricardo Melo observa (ver aqui), muito a propósito, que,
em 1997, o jornalista Paulo Francis afirmou, em comentário no programa Manhattan Connection, que havia
um esquema de roubalheira na Petrobras. O então presidente da empresa, Joel Rennó,
em vez de tomar alguma providência, abriu um processo de US$ 100 milhões contra
Francis, lembra o articulista da Folha.
Um fantasma nas redações
Portanto, está definido
o ponto mínimo de movimentação da imprensa diante do escândalo, sem o qual o
noticiário deixa de merecer credibilidade: quais eram os fatos a que se referia
o polêmico comentarista.
O jornalista Franz Paul
Heilborn, que assinava sua coluna nos jornais e se apresentava na TV como Paulo
Francis, morreu menos de um mês depois de ser informado por seus advogados de
que não tinha como se defender no processo movido pela Petrobras na corte de
Nova York. Como havia acusado sem provas, baseado em fontes que não podia
revelar, entrou em depressão e sofreu um estresse que causou sua morte por um ataque
cardíaco, segundo revelou sua mulher, a jornalista e escritora Sonia Nolasco.
A lembrança de sua
denúncia vem agora assombrar antigos dirigentes da empresa petroleira e colocar
a imprensa brasileira diante de um dilema: se persistir em circunscrever o
escândalo aos fatos recentes, datando o processo a partir do ano 2013, o
noticiário ficará marcado pelo partidarismo e a manipulação.
Se for investigar as
origens do escândalo, completando a pauta levantada por Paulo Francis há 17
anos, terá que reconhecer que a corrupção na Petrobras tem raízes mais
profundas, e estará aberto o caminho para uma operação de larga escala contra a
roubalheira. O ponto de partida dessa pauta é sua afirmação de que, em 1997,
diretores da Petrobras engordavam contas bancárias na Suíça com dinheiro de
propinas obtidas na compra de equipamentos.
O escritor e colunista
Carlos Heitor Cony já havia feito pelo menos duas referências à sua história,
em março e setembro deste ano (ver aqui e aqui), na própria Folha, mas nenhum jornal teve
interesse em revisitar o passado. Cony e outros jornalistas que trabalharam com
Francis, como este observador, sabiam que ele não era um repórter
investigativo, mas tinha fontes poderosas. Os fatos que agora vemos expostos
nos jornais demonstram que sua denúncia tinha fundamento.
A revelação de que
policiais federais do Paraná envolvidos na Operação Lava Jato atuavam como
cabos eleitorais do PSDB cria para a instituição um dever de honra: levar o
inquérito aos níveis de uma “Operação Mãos Limpas”, acabando com o vazamento
seletivo de informações.
Os jornais não poderão
seguir com seu joguinho de mostra-e-esconde.
O fantasma de Paulo
Francis vai assombrar as redações.