quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

COMO FARÃO A GRANDE MIDIA E A OPOSIÇÃO PARA LIDAR COM A ENXURRADA DE SUSPEITOS NÃO USUAIS QUE PODE SURGIR DAS INVESTIGAÇÕES DA OPERAÇÃO LAVA JATO ? - NA SEGUNDA MATÉRIA ABAIXO, MOSTRA COMO O SISTEMA FINANCEIRO É O BURACO NEGRO QUE TRAVA O DESENVOLVIMENTO E AUMENTA A DESIGUALDADE...


FCO.LAMBERTO FONTES
Trabalha em JORNALISMO INTERATIVO
 em ARAXÁ / MG.
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20/11/2014

A operação Lava Jato

e os suspeitos não usuais



Fabio de Sá e Silva (*)

Ao longo do processo eleitoral, grande imprensa e oposição encontraram na Operação Lava Jato o que parecia ser um instrumento perfeito para a crítica ao governo e à então candidata à reeleição, Dilma Rousseff.

Na ocasião, o script da operação batia com o que ambas, ao longo dos últimos anos, buscaram vender para a população como a ontologia da corrupção.

“Políticos” da base aliada haviam se apropriado de setores do Estado, utilizando-se desta condição para auferir recursos para os seus partidos.

Varram-se do mapa, pois, tais “políticos”, e a corrupção estará liquidada.

“Quer acabar com a corrupção?,” perguntava Aécio Neves, no tom agressivo que caracterizou sua campanha, no espaço nobre do debate da Rede Globo, “Tire o PT do poder,” ele próprio respondia, para o aplauso efusivo de sua claque.

Mas entre tais prescrições, as capas fajutas de revista semanal e os boatos nas redes sociais versando sobre a morte do doleiro Youssef, Dilma sobreviveu e se reelegeu.

E a Lava Jato, por sua vez, não se conteve no script que se lhe pretendiam destinar.

Enquanto lideranças tucanas como Aécio, Aloysio Nunes e FHC flertavam com posições golpistas, pedindo recontagem de votos e fustigando manifestações pró-impeachment, a operação entrava em sua sétima fase.

Além de outros executivos da Petrobrás, como o ex-diretor de serviços, Renato Duque, presidentes, vice-presidentes e diretores das maiores empreiteiras do país ocupavam as carceragens da Polícia Federal no Paraná.

Ganhavam evidência, ademais, histórias lamentáveis, mas ao mesmo tempo bastante prosaicas.

Exemplo é o do ex-gerente executivo da diretoria de serviços da estatal, Pedro Barusco, que para não ser preso se propôs a devolver US$ 100 milhões que teria recebido como propina de empresas como a Toyo Setal.

US$ 100 milhões!

Tais desdobramentos delineiam, pois, outro quadro para a Lava Jato.

A criminologia, especialmente em suas vertentes mais críticas, costuma ressaltar a natureza estigmatizante dos processos de criminalização.

A definição de um crime, primeiro como tipo penal genérico, e depois como categoria concreta de acusação, costuma cumprir funções ligadas à exclusão social de indivíduos e grupos.

Um dos mecanismos garantidores dessa incidência excludente é a configuração de “suspeitos usuais”.

Diversas pesquisas sobre a ação das polícias, por exemplo, demonstram que há maior propensão de que tais forças atuem sobre jovens negros ou migrantes, na medida em que elegem atributos como o “uso de bonés” ou “moletons” como fatores de suspeição.

Isto permite entender por que Aécio e seus ventríloquos dos grandes meios têm feito tanto esforço para colar no esquema de corrupção que ora se apura na Petrobras o codinome de “Petrolão,” em referência explícita ao “Mensalão”. Em seu discurso de retorno ao Senado, por exemplo, Aécio chegou a condicionar a possibilidade do “diálogo” pleiteado por Dilma à apuração do “escândalo” assim denominado.

Para personagens como Aécio, é crucial configurar o ocorrido na Petrobras como expressão de práticas “petistas”. É isso o que lhes permitirá sustentar a oposição de verniz udenista na qual, na ressaca dos resultados eleitorais obtidos em 2014, eles têm apostado todas as suas fichas – e da qual parecem esperar alcançar o poder, senão pelo voto, pelo golpe.

Diante de caso repleto de cifras que causam justa e necessária indignação aos cidadãos, portanto, convém continuar apontado o dedo para os “suspeitos usuais”.
A realidade, porém, pode frustrar estas expectativas.

Enquanto não aparecem nomes de “políticos”, em parte por conta de prerrogativas de foro privilegiado, evidencia-se para a opinião pública a relevância e a magnitude da participação de funcionários de carreira e de ícones do setor privado no esquema.

Exatamente algumas das categorias que gostam de apontar o dedo para a corrupção “dos políticos”, que dizem “controlar” com sua ação tecnicamente independente, ou “sustentar” com o suor de seus impostos.

A propósito, muito feliz a reação de Janot à tese das empreiteiras de que foram vítimas de “concussão” ou “extorsão”: “Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar uma licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro? Para ter que botar US$ 100 milhões no bolso? Vamos combinar, não é?,” disse o PGR.

Também parece ficar claro que o produto da corrupção na Petrobras, se por ventura foi parar em contas partidárias, também serviu para encher bolsos de gente como Barusco. Aliás, ao final, pode ser instrutivo comparar o que foi para “partidos” e o que foi para indivíduos oportunistas e inescrupulosos, como Barusco ou Costa.

E mesmo quando aparecerem os nomes dos “políticos,” nada garante que vão se restringir aos da base. Até jornais cujos donos têm saído às ruas empunhando cartazes impublicáveis já dão conta da existência de “alguns outros”; e peças do Ministério Público no processo sugerem que o esquema estava em operação “há pelo menos 15 anos”.

Como farão, assim, grande mídia e oposição para lidar com essa enxurrada de suspeitos não usuais?


(*) Ph.D. em direito, política e sociedade pela Northeastern University (EUA)


18/11/2014

Lançamento de 'A Internacional do Capital Financeiro', em Porto Alegre,

analisou avanço do processo de financeirização da economia e seus efeitos.


Sistema financeiro:

o buraco negro que

trava desenvolvimento

e aumenta desigualdade

Porto Alegre - O livro “A Internacional do Capital Financeiro”, uma publicação conjunta da Carta Maior, Fundação Perseu Abramo e Fundação Friedrich Ebert, é o primeiro de uma série que pretende ajudar a furar o bloqueio midiático de alguns temas vitais para o avanço da democracia brasileira. O próximo volume da série já está quase pronto e reunirá uma série de artigos sobre a relação entre participação social e democracia, informou o diretor da Carta Maior, Joaquim Palhares, durante o debate de lançamento de “A Internacional do Capital Financeiro”, segunda-feira à noite, no auditório da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. O tema desse primeiro livro, assinalou o organizador da obra, representa hoje um verdadeiro buraco negro na imprensa brasileira que não informa, por um lado, e desinforma, por outro, agindo de modo articulado com grandes publicações internacionais como a revista The Economist e o jornal Financial Times.

Autor, entre outras inúmeras obras, do livro “Os estranhos caminhos do nosso dinheiro” (Ed. Fundação Perseu Abramo), o economista Ladislau Dowbor destacou que o Brasil assiste nos últimos anos um grande esforço na dimensão nacional para transferir recursos para a base da sociedade e, por outro lado, um esforço não menor do sistema financeiro para recapturar esses recursos através de um sistema de crédito que oferece vantagens ilusórias e opera com juros extorsivos. Os novos consumidores, resultantes de um processo de ascensão social alimentado pelo primeiro esforço citado acima, são tentados com ofertas de baixas prestações para comprar fogões, geladeiras, televisores, computadores e outros equipamentos, mas com juros gigantescos que aparecem em letras bem miúdas nos cartazes das promoções nas vitrines das lojas.

Esse esforço de estimular a economia pela demanda, assinalou ainda Ladislau Dowbor, acabou abrindo um grande espaço de atuação para o sistema financeiro que opera com uma taxa de juros ao consumidor impensável em outros países. “No Brasil, o cartão de crédito está cobrando uma taxa de aproximadamente 238% ao ano. Nos Estados Unidos, há uma grande indignação agora porque estão cobrando juros de 16% ao ano no cartão de crédito”. Esse modelo, advertiu Dowbor, acaba travando o consumo e também a produção. E citou uma frase do economista C.J. Polychroniou, que aparece na abertura de “A Internacional do Capital Financeiro”, para destacar o caminho que acredita deva ser seguido para superar o atual padrão de funcionamento do sistema financeiro:

“Os bancos deveriam voltar a fazer o que faziam quando foram criados: oferecer um local seguro para as poupanças e capital a negócios que pretendem se desenvolver”.

Sistema financeiro trava desenvolvimento do país

Os juros cobrados das pessoas jurídicas no Brasil também são inviáveis, assinalou ainda Dowbor. “Ninguém se desenvolve pagando 50% de juros ao ano”. “A esterilização dos recursos do país através do sistema de intermediação financeira drena em volumes impressionantes recursos que deveriam servir ao fomento produtivo e ao desenvolvimento econômico”, escreveu o economista no recente artigo “O sistema financeiro atual trava o desenvolvimento econômico do país”. Neste artigo, ele apresenta uma foto de uma loja em Joinville (SC) que resume bem a natureza do problema:

“A prestação que ‘cabe no bolso’ está em letras grandes. Por obrigação legal, colocam o valor final e juros, bem pequenos: paga-se mais do dobro, juros de 122%. Permite comprar hoje, mas trava-se a capacidade de consumo por dois anos. O produtor recebe pouco, e pouco poderá investir. E o consumidor pode comprar pouco, pelo peso dos juros. É a chamada economia do pedágio, que trava o sistema produtivo, tanto do lado do produtor como do consumidor, em proveito do intermediário”.


“O que impacta a inflação”, acrescentou Dowbor em Porto Alegre, “não é a taxa Selic, como dizem os bancos e seus porta-vozes midiáticos, mas sim essas taxas de juros que são cobradas dos consumidores e das empresas. Não tem como uma economia avançar neste modelo”. E concluiu: “Não estamos mais vivendo naquele sistema tradicional onde as empresas exploravam a mais valia de seus empregados. Temos hoje um sistema mundial de extração de mais valia social, um sistema que tem um imenso poder. Durante seu primeiro governo, Dilma até tentou amenizar esse processo, diminuindo os juros dos bancos públicos e também a Taxa Selic. Acabou tendo que recuar”.
 
O aumento da oligarquização da riqueza

O professor Marco Cepik, do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov-UFRGS), destacou que a financeirização do capital é um elemento definidor do estágio capitalismo neste início de século 21. Esse modelo, assinalou Cepik, traz um custo muito claro para todo o mundo, cuja manifestação mais recente foi a crise de 2008 que provocou um aumento da desigualdade social em nível internacional e um aumento também do autoritarismo e da violência como resposta ao desespero das populações atingidas pelo desemprego, pelo arrocho e pela recessão. Junto com o aumento da desigualdade, assistimos à elevação da oligarquização da riqueza, que ficou ainda mais concentrada nas mãos de uns poucos grupos econômicos.

O processo de expansão do sistema financeiro sobre a economia foi fortemente acelerado nos anos 90, provocando uma mudança na correlação de forças sociais. Os poucos países que resistiram acabaram sendo dobrados, apontou Cepik, como foi o caso do Japão nos anos 70 e a França nos anos 80. Esse processo de expansão e desregulamentação culminou no famoso mercado de derivativos, que propiciou o que o professor da UFRGS definiu como uma “barroquização da quantidade de produtos”. Hoje, segundo estimativas recentes do FMI, esse mercado movimenta algo entre 600 e 700 trilhões de dólares ao ano. E não há qualquer tipo de governança global sobre isso, enfatizou Cepik.
A resposta a esse modelo, concluiu, é política e não pode ser dada por nenhum país isoladamente, sequer pela China. “Ela vai exigir grandes alianças políticas e sociais. Iniciativas como a dos BRICS, de criação de um novo banco de desenvolvimento internacional, de fundos soberanos, não são suficientes para resolver o problema, mas apontam o caminho a ser seguido. 

Do lado conservador, já sabemos o que vem, pois a resposta é sempre a mesma: 
corte de direitos, redução do bem-estar, precarização”.