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25/03/2015
As estratégias
de destruir o SUS
para mercantilizar a saúde
Se privatizada,
a saúde deixa de ser um bem público
como direito social para se tornar
mais um produto inserido
na dinâmica capitalista global.
José Tanajura Carvalho*
A proposta de
destruir o SUS, na tentativa de privatizar a saúde pública brasileira, tem
início no Governo FHC e veio embrulhada no contexto do Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado.
De fato, a
Reforma fez parte da ação governamental como componente da estratégia
neoliberal, compreendida por três ações básicas:
a) substituição
ao que se chamou de administração pública burocrática e clientelista por uma
administração gerencial ou nova administração pública;
b) modificação
do sistema previdenciário, transformando-o em fundos de investimento;
c) privatização
de empresas e serviços públicos passíveis de reverterem seus objetivos sociais
para a busca do lucro.
O princípio
básico da proposta sintetizava-se na administração gerencial, estabelecida nas
relações de mercado, inclusive naquelas atividades consideradas como bens e
serviços públicos em geral, especialmente a saúde e a educação.
A implantação
dessa política assumiu procedimentos açodados do governo, quando até mesmo
aspectos formais não foram de todo resolvidos na premência de impor o novo
modelo e por concepção autoritária de governar.
Segundo COSTA
FILHO: “... o processo [referindo-se à Reforma] se afasta de qualquer padrão
democrático na medida em que se constrói sobre o informalismo e o lobby, de
natureza intrinsecamente excludente” (COSTA FILHO, 1997, p. 188).
Com tal
formulação, a Reforma se apresentou excludente, autoritária e na confirmação do
caráter intransitivo do Estado brasileiro quanto à acessibilidade popular da
informação-pública e de resistência às conquistas sociais.
Todavia, a
reforma do aparelho estatal, empreendida por FHC, ficou inconclusa diante da
perspectiva distorcida da realidade socioeconômica e geopolítica do país, do
inconsistente aspecto operacional, e da rejeição tácita pelos segmentos
populares da sociedade. Porém, a sua essência resistiu e se consolidou.
As agências
autônomas, por exemplo, foram estabelecidas e fortalecidas, e se mantiveram
insuladas no posicionamento de total independência do governo e, como sói acontecer,
das classes populares, dialogando intensa e diretamente com grandes grupos
econômicos e financeiros e representantes da elite burocrática. Bem como as
proposições neoliberais se radicaram nas demais esferas de governo.
O entendimento,
enfim, é de que a reforma do Estado FHC avançou até onde foi possível e
politicamente satisfatória ao capital.
Haja vista que
à época houve a promulgação da Emenda 29, com previsão de garantia de recursos
para a saúde pelos governos dos municípios, dos estados e federal.
Porém,
enfaticamente, a Emenda 29 transparece ser parte da estratégia para disciplinar
os recursos da saúde que, revestida no simulacro de uma proposta com alcance
popular, viabilizaria os investimentos de interesses privados a ser completada
com a destruição do SUS.
Contudo, os
segmentos capitalistas ligados à saúde não puderam contar com o timing político
favorável à reversão em benéficos próprios das perspectivas de mobilização dos
recursos públicos financeiros em montantes colossais e garantidos que a nova
emenda constitucional projetava.
Primeiramente,
houve a necessidade política de dar tempo ao tempo para o governo se refazer do
esforço despendido na venda das empresas estatais a preços aviltantes.
Fatos que não
deixaram de melindrar a opinião pública, mesmo tendo sido um processo realizado
com a escamoteação de informações sobre o processo de desestatização e o
deliberado cerceamento de participação da sociedade civil, principalmente das
classes populares, no debate que o assunto exigia.
A alternativa
prudencial parece ter sido a de aguardar momentos propícios para, então, voltar
à privatização de atividades com notório interesse social e sujeitas à
mobilização política de segmentos populares que se sentissem prejudicados,
como, por exemplo, a saúde pública, previdência social, grandes extensões do
território nacional destinado à agricultura em larga escala, e, no plano dos
negócios, as vendas do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e o que ainda
havia de público na Petrobras.
Todavia, a
alteração do mando político no cenário nacional, em 2003, alterou
substancialmente essas pretensões.
A partir de
2003, os setores privados voltaram à carga com o objetivo de mercantilizar a
saúde no Brasil, com o apoio sustentado na parceria com o Banco Mundial,
instituição que, segundo RIZZOTTO (2000), age nos “... interesses
político/ideológicos e econômicos que tem permeado determinados processos,
aparentemente favoráveis à consolidação do SUS, mas que em realidade modificam
substancialmente a configuração original deste Sistema”.
Como parte de
sua estratégia, essa instituição financeira internacional publicou, em 2008, o
livro Desempenho hospitalar no Brasil: em busca da excelência, de autoria de
Gerard La Forgia e Bernard Conttolenc, representantes da Interhealth Soluções
em Saúde e da Universidade de São Paulo.
Em síntese, os
autores procuram apontar a incapacidade de o sistema hospitalar brasileiro se
apresentar em níveis de eficiência exigidos para atender a demanda (sic)
crescente, e, implícita e explicitamente, indicam como solução a privatização
do sistema de saúde, portanto, com a exclusão dos princípios da equidade,
universalidade e gratuidade no formato original do SUS, sustentado na CRFB,
Art. 196, e Leis nº 8080/1990 e 8142/1990.
A eficiência do
aparelho estatal, alinhada no discurso neoliberal desses autores, é
estabelecida na lógica recursos/custos/oferta/demanda/lucro em saúde, e deverá
se propagar, continuamente, na fundamentação da aliança entre o Estado e o
mercado de saúde.
Não é difícil
compreender que o estratagema é permitir o processo de cessão paulatina, pelo
Estado, dos aparelhos de saúde, concomitante com o repasse de recursos
públicos, perdão de dívidas e incentivos fiscais a grandes grupos privados
constituídos segundo as regras do terceiro setor, seguradoras e grandes
empresas de hospitais.
No tempo em que
se enalteceriam, com instrumentos de marketing político, os direitos
individuais e não mais da sociedade como pedagogia-subliminar de controlar e
transformar as necessidades de saúde em demandas de serviço.
A proposta
dessas políticas de saúde não se efetiva a partir das causas de aumento das
necessidades de saúde (promoção e proteção de saúde; prevenção, tratamento e
reabilitação de doenças), mas nas formas de encontrar condições (infraestrutura
hospitalar, tecnologias de última geração, geralmente importadas, centralização
de atendimentos em grandes hospitais em cidades polos, com o objetivo de ganhos
de escala, transportes de pacientes, precarização do exercício da medicina,
etc.) para dar conta do aumento da demanda (sic).
Em outras
palavras, a qualidade da saúde dá lugar à quantidade de atendimento. Isto é, a
saúde deixa de ser um bem público como direito social.
Para se afirmar
no contexto das definições segundo as planilhas de custo, como forma de se
manter os riscos financeiros sob o controle rígido em busca do máximo lucro,
expressão objetiva da gestão por resultados, conforme explicito na Reforma de
FHC.
Os objetivos da
saúde deixariam de ser a conquista do bem viver, quando, então, passariam a ser
geridos, não no enfrentamento das causas de necessidades vinculadas aos limites
e fragilidades das pessoas, mas a partir de adequações dos recursos
determinados pela imagem-objetivo do lucro.
Em resumo, a
necessidade de saúde transformar-se-ia, pois, em demanda de saúde, por
conseguinte em mercadoria a ser pesada, vendida e comprada, por quem,
evidentemente, tivesse dinheiro.
A proposição se
completa na mensuração de resultado das ações na saúde através de metodologias
externas de controle de qualidade ou autorregulação.
Uma prática
ilusória, pois o atributo saúde implica uma dimensão qualitativa e subjetiva
que transcende qualquer método externo.
Ademais, o
corporativismo na autorregulação é decisivo diante da avidez do capital
representado por grandes organizações privadas de saúde, as agências
reguladoras e o próprio BIRD.
A estratégia é,
assim, desmontar, política e midiaticamente, a estrutura brasileira de saúde
fazendo romper os ganhos sociais representados pelo SUS, com o sucateamento
final do aparelho estatal de saúde, a partir da restrição do investimento
público e da renuncia fiscal pelas diferentes esferas de governo em favor dos
planos privados de saúde, pelo menos até quando o sistema permanecer nas mãos
do Estado e a saúde como direito social estiver viva na consciência da
sociedade civil, para, então, doar ou subordiná-lo à iniciativa privada,
organizações do terceiro setor, cooperativas de saúde e seguradoras em geral.
*José Tanajura Carvalho
Economista, Mestre em Ciências
Sociais, ex-professor da UFMG e da PUCMINAS, atualmente é Pesquisador Associado
do CEDEPLAR/UFMG
Referências:
BERQUÓ, Laura
Taddei Alves Pereira Pinto. O princípio da eficiência e o setor público não
estatal. In: SEMINÁRIO BALANÇO DA REFORMA DO ESTADO NO BRASIL – 6 a 8 de agosto
de 2002, Brasília/DF, MPOG, 1999.
RIZZOTTO, Maria
Lúcia Frizon. O Banco Mundial e as políticas de saúde no Brasil nos anos 90.
Unicamp, 2000.