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22/03/2015
Para atender financiadores de campanha,
Cunha ameaça a existência do SUS
Cunha recebeu R$ 250 mil de planos de saúde,
engavetou a CPI que investigaria o setor e
quer obrigar as empresas a pagarem
planos privados aos funcionários
Najla Passos
Uma proposta de emenda à constituição de
autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se aprovada, poderá
significar o mais duro golpe contra uma das maiores conquistas civilizatórias
da sociedade brasileira no século XX: o Sistema Único de Saúde (SUS), universal
e gratuito, criado para atender aos brasileiros, sem distinção de classe ou
categoria profissional.
Trata-se da PEC 451/2014, que obriga as
empresas a pagarem planos de saúde privados para todos os seus empregados.
E, consequentemente, desobriga o
Estado a investir para que o SUS garanta atendimento de saúde de qualidade para
todos.
Reconhecido como um dos
principais lobistas das empresas de telecomunicações no Congresso após sua
atuação veemente contra a aprovação do novo Marco Civil da Internet, Cunha é também um dos mais legítimos
representantes dos planos de saúde que, só nas últimas eleições, distribuíram
R$ 52 milhões em doações para 131 candidaturas de 23 partidos, em todos os
níveis.
O presidente da Câmara foi o que recebeu o
terceiro maior “incentivo”: R$ 250 mil, repassados à sua campanha pelo Saúde
Bradesco.
Em contrapartida, desde mandatos
anteriores, faz da sua atuação parlamentar uma verdadeira cruzada em favor dos
planos privados. Foi ele o relator de uma emenda à Medida Provisória 653/2014,
posteriormente vetada pela presidenta Dilma Rousseff, que anistiava os planos
em R$ 2 bilhões em multas.
Também foi Cunha que, assim que assumiu a
presidência da casa, engavetou o pedido de criação da CPI dos Planos de Saúde,
de autoria do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que já tinha parecer positivo da
consultoria da Câmara pela admissibilidade e contava com 201 assinaturas de
deputados, 30 a mais do que o mínimo necessário previsto pelo regimento.
Com a PEC 461/2014, ele amplia
consideravelmente o mercado dos planos privados, que têm crescido de forma
vertiginosa e já alcança 50 milhões de usuários, um quarto da população
brasileira.
Grosso modo, a matéria legislativa propõe a privatização
do sistema de saúde do trabalhador brasileiro, em detrimento de maiores
investimentos no SUS, que beneficia não só àqueles que disputam atendimento
médico direto, mas também a criança que é vacinada contra a pólio ou mesmo o
cidadão que compra um simples pãozinho, que teve sua manufatura antes
inspecionada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“O SUS é o grande plano de saúde dos
brasileiros.
De todos os brasileiros.
Nós precisamos fortalecê-lo, aperfeiçoá-lo,
discutir seu financiamento e o pacto federativo que o mantém.
E não acabar com ele.
Isso significa um retrocesso em
todos os sentidos, porque reduz direitos”, afirma o médico, professor e
deputado Odorico Monteiro (PT-CE), membro
titular da Comissão de Saúde e Seguridade Social da Câmara e ex-secretário de
Gestão Participativa do Ministério da Saúde, para quem a caminhada
civilizatória brasileira já está muito mais avançada do que o debate que o
presidente da casa propõe com a PEC 451.
De acordo com o especialista, o
Brasil virou a página do debate sobre a necessidade da implantação de um
sistema universal de saúde com a promulgação da Constituição de 1988, que
previu a criação do SUS.
Ele acrescenta que, ainda que com
enorme atraso em relação aos países europeus que investiram nas suas políticas
de bem-estar social, o Brasil conseguiu se tornar o único país do mundo com
mais de 140 milhões de habitantes a universalizar o atendimento integral à
saúde, da prevenção à alta complexidade.
“Essa é uma conquista da qual a
sociedade não pode prescindir”, defende.
Odorico Monteiro relata que, na
Europa, mesmo durante esta última crise econômica, que afetou profundamente
muitas economias do continente, o fim dos sistemas universais de proteção à
saúde sequer chegou a ser incorporado ao debate, devido à importância que têm.
“Na Europa, mesmo durante a
crise, não houve nenhum surto privatizador, porque os países entendem a
importância dos sistemas universais para a proteção do trabalhador.
Nem mesmo na Espanha ou na
Grécia. Pelo contrário”, explica.
Ele analisa que, caso a PEC de
Cunha seja aprovada, o país retrocederá ao que era antes da Constituição de
1988, quando o antigo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência
Social (Inamps), criado pela ditadura militar, funcionava como uma federação de
planos de saúde das diferentes categorias profissionais, deixando à margem do
atendimento um grande número de cidadãos.
“Essa PEC tenta criar um grande Inamps
privado, com planos de saúde cinco estrelas para alguns e nenhuma atendimento
para outros.
Isso é retrocesso.
O Brasil já virou essa página”, insiste.
CPI dos Planos de
Saúde
Autor do requerimento para a
instalação da CPI dos Planos, o deputado Ivan
Valente também critica a postura de Cunha
ao apresentar a PEC e operar para beneficiar os planos privados, ao invés do
conjunto da sociedade.
“Está muito claro que Cunha trabalha para
ampliar a oferta de saúde privada, enquanto o que o país precisa é fortalecer o
SUS.
Nós vamos entrar
com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para viabilizar a
CPI dos Planos de Saúde que ele engavetou”, afirma.
Valente lembra que ingressou com
a CPI dos Planos no segundo dia deste período legislativo, antes mesmo da
entrada da CPI da Petrobrás, já instalada com o objetivo explícito de desgastar
o governo e está em pleno funcionamento.
Cunha, entretanto, afirmou que a
CPI dos Planos não tinha foco, desconsiderando o parecer da consultoria
legislativa da própria casa, que falava que todos os requistos para instalação
estavam contemplados.
“Quando nós fomos contestar a decisão dele em plenário,
dizendo que ela era política e que o interesse dele na causa era grande, porque
tinha recebido R$ 250 mil da Bradesco Saúde, houve um bate boca e meu microfone
acabou sendo cortado”, lembra o deputado.
Agora, ele está determinado a
rever a decisão do presidente no STF.
“Nós vamos entrar no STF com base
no parecer da consultoria da Câmara, levantando a jurisprudência do própria
corte que, por meio de uma outra decisão da ministra Rosa Weber, prevê que a
CPI, tendo foco, é um direito inalienável das minorias e, como tal, deve ser
instalada”, esclarece.
Reforma política já
Para Valente, a negativa de Cunha
de instalar a CPI dos Planos, somada à sua atuação parlamentar em defesa do
setor, mostra o quanto o financiamento de campanha determina os rumos das
discussões das políticas públicas no Brasil. “Precisamos denunciar a que
interesses ele atende ao tomar esse tipo de medida, que só fortalece a
necessidade de uma reforma política que acabe com o financiamento privado de
campanha”, aponta o deputado.
Odorico Monteiro, que também
defende o financiamento público exclusivo das campanhas políticas, ressalta que
é lamentável que as discussões de políticas públicas no país se deem sempre sob
a tutela dos grandes grupos econômicos.
“Acabar
com o financiamento privado das campanhas eleitorais é outra página que
precisamos virar na história deste país”, defende.
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