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Domingo, 23 de agosto de 2015
Dalmo Dallari:
"Postura de Gilmar
Mendes
é falsamente moralista
e nula juridicamente"
Ana Siqueira *
Na opinião de Dallari, atitude de
Gilmar Mendes é "lamentável"
|
Jurista critica decisão de ministro de determinar
que PGR e PF investiguem contas de Dilma
“A atitude dele é puramente política, sem nenhuma consistência
jurídica”, afirma o jurista Dalmo Dallari a respeito da determinação do
ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que a
Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal (PF) investiguem eventuais
irregularidades nas contas eleitorais da campanha da presidente Dilma Rousseff
em 2014.
De acordo com Gilmar Mendes, existem indícios de que crimes de
lavagem de dinheiro e falsidade ideológica foram cometidos durante as eleições
do ano passado, o que poderia levar à abertura de ação penal. Embora as contas
já tenham sido aprovadas com ressalvas pelo TSE, o ministro manteve o processo
aberto para incluir nas apurações novas informações descobertas pela Operação
Lava Jato.
O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, que
coordenou a parte financeira da campanha eleitoral da presidente no ano
passado, destacou em nota que as contas da presidente foram aprovadas por
unanimidade. "Todas as contribuições e despesas da campanha de 2014
foram apresentadas ao TSE, que, após rigorosa sindicância, aprovou as contas
por unanimidade."
O PT também se manifestou e informou que todas as doações que o
partido recebeu durante a campanha eleitoral "foram realizadas
estritamente dentro dos parâmetros legais e foram posteriormente declaradas à
Justiça Eleitoral.”
Na visão do jurista Dalmo Dallari, o objetivo do ministro Gilmar
Mendes é pressionar para a retomada do julgamento de uma Ação de Investigação
de Mandato Eletivo (AIME) proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve Aécio
Neves (PSDB) como candidato à presidência em 2014.
O ministro Luiz Fux pediu vista do processo, que foi movido
contra a Coligação Com a Força do Povo e pedia a cassação dos mandatos de Dilma
e do vice-presidente Michel Temer (PMDB). “Ele está pretendendo exatamente
isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que não vai ter seguimento”,
opina Dallari.
Confira abaixo a entrevista de Dallari, que é especialista em
Direito Constitucional e professor emérito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, ao JB:
JB - Do ponto de vista jurídico, é legítimo retomar a análise de
contas de campanha que já haviam sido aprovadas pelo TSE?
Dallari – Não, acho que não é
legítima e é lamentável essa atitude do ministro Gilmar Mendes. O ministro,
quando foi procurador-geral, fez coisas muito piores do que isso. É lamentável
que agora tome essa postura falsamente moralista e nula juridicamente. Ele
realmente não tem base jurídica para fazer o que fez, então fica evidente o seu
envolvimento político. E além do mais, a imprensa revelou também que há
poucos dias ele teve reuniões com grupos partidários, tem inclusive ligação com
o [presidente da Câmara] Eduardo Cunha. Gilmar Mendes participou de reuniões
com ele para discutir a possibilidade de impeachment da Dilma. Isso já torna
extremamente suspeita a atitude dele, já seria um fator de nulidade de sua
iniciativa porque a torna juridicamente suspeita. Então, realmente, o que
se pode dizer é que é lamentável essa postura do ministro Gilmar Mendes que até
confirma o que eu já disse e sustentei: ele não atende às condições necessárias
para ser ministro do Supremo Tribunal. Se tudo é possível voltar atrás, vamos
voltar atrás na carreira do próprio Gilmar Mendes. A atitude dele é puramente
política, sem nenhuma consistência jurídica.
JB - O TSE já estava julgando uma Ação de Investigação de
Mandato Eletivo proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve
Aécio Neves como candidato à presidência, contra a coligação de Dilma, mas
o ministro Luiz Fux pediu vistas do processo. O pedido de abertura de
investigação de Gilmar Mendes, na sua opinião, seria uma forma de pressionar
para a retomada do julgamento do recurso?
Dallari – Ele está
pretendendo exatamente isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que
não vai ter seguimento. Acho que pura e simplesmente vai ser rejeitada a
iniciativa do ministro Gilmar Mendes. Essa seria a forma juridicamente correta.
Então não acredito que isso vá ter desdobramentos.
JB – O senhor já se pronunciou publicamente a respeito do
impeachment, dizendo que não existe nenhuma possibilidade legal, jurídica e
constitucional de ele acontecer. No caso de uma eventual condenação das contas
de Dilma pelo TSE, com que cenário estaríamos lidando?
Dallari – Acho que realmente
ninguém indicou qualquer fundamento legal, legítimo para dar seguimento às
exigências de impeachment ou de qualquer coisa desse tipo. E não há fundamento
jurídico para um procedimento dessa natureza. Essa iniciativa do ministro
Gilmar Mendes também não acrescenta em nada, é apenas mais uma manifestação
política sem fundamento jurídico. [Caso eles consigam condenar as contas
de Dilma no TSE], depois teria que ir ao Supremo Tribunal Federal, eles que
teriam a última palavra. E chegando ao extremo do Supremo também condená-las,
cairiam Dilma e Temer. Mas não vejo nenhuma possibilidade de que isso venha
acontecer porque falta, exatamente, a fundamentação jurídica.
* do projeto de estágio do JB