FCO.LAMBERTO FONTES
Trabalha em JORNALISMO INTERATIVO
Mora em ARAXÁ/MG
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4 de Dezembro de 2015
O
impeachment,
a
antipolítica e a
judicialização
do estado
MAURO SANTAYANNA
Jornalista, tendo ocupado cargos de destaque nos principais órgãos de imprensa brasileiros
A aceitação do pedido de impeachment
pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ocorre em um momento em
que poucas vezes a classe política brasileira esteve tão desacreditada, e tão,
também – intencionalmente - vilipendiada junto à opinião pública.
No início do ano, logo depois das
eleições, pesquisa do Datafolha indicava que 71% dos entrevistados não tinham
preferência por nenhum partido político.
Em julho, pesquisa do IBOPE mostrava
que o Congresso Nacional ocupava a penúltima posição entre 18 instituições
pesquisadas, incluídas a Igreja e o Exército, com a confiança de apenas 17% da
população, enquanto, diuturnamente, os mesmos internautas que atacam o PT o
faziam – e continuam fazendo - com a classe política, contrapondo a deputados,
senadores, vereadores, prefeitos, ministros, considerados, pela bandeira
da antipolítica,
corruptos, bandidos e desonestos, um altíssimo índice de confiança – empurrado
pela própria atitude da mídia – em policiais, procuradores e juízes, como se
entre os magistrados, no Ministério Público e nas forças de segurança, só
houvesse profissionais impolutos e ilibados, e para o exercício da atividade
política fosse característica primordial e imprescindível a condição de
mentiroso, ladrão, pilantra e
mau-caráter.
É perigoso e ingênuo acreditar que esse
seja apenas um retrato do momento, que possa ser corrigido somente com a troca
da correlação de forças, e que não haja nada mais no horizonte, além do embate
entre diferentes partidos e grupos políticos e os aviões de carreira.
Iludem-se os políticos de centro e de
oposição, os oportunistas e os indiferentes, se acreditam que, entregando a
cabeça de Dilma Roussef, terão as suas poupadas, e elas continuarão sobre os
ombros, para se abaixar à passagem da faixa presidencial.
Pelo contrário, Dilma pode,
paradoxalmente, ser o dique – ou o alvo – que ainda atrai para si as balas e
contêm o tsunami.
A criminalização da atividade política,
insuflada contra o PT pela oposição, secundada por uma mídia seletiva e
comprometida, quebrou, quase que definitivamente, o equilíbrio de poderes em
que se baseia o sistema republicano tradicional, substituindo a negociação,
anteriormente exercida como base do Presidencialismo de Coalizão, pela atuação
de forças externas, de caráter não nominalmente, mas profundamente
político, criando uma espécie de Frankenstein descontrolado, que coloca, de
fato, parcela da burocracia do Estado, acima e além daqueles que detêm o voto
da população.
O “acoelhamento” do
Senado, recusando a prerrogativa de julgar um de seus pares, mesmo que para sua
posterior entrega à prisão – abrindo mão de tentar, ao menos, mostrar firmeza,
autonomia e determinação ética para a opinião pública - é o retrato da rendição
do Poder Legislativo à máquina repressora de parte da justiça, e abriu a
possibilidade para que qualquer homem público seja acusado, em seqüência, de
qualquer coisa, a qualquer momento, bastando cair em uma esparrela, por um
bilhetinho qualquer – subitamente elevado pela imprensa à condição de
“documento” - a acusação de um desafeto ou de um delator “premiado” disposto a
qualquer atitude para salvar a própria pele, ou uma frase passível de
interpretação dúbia ou subjetiva pinçada em seu e-mail ou em uma conversação
telefônica.
Que os incautos não se iludam.
Não haverá tergiversação ou acordo com
aqueles que estiverem, na base do governo, ou na oposição, alimentando a ilusão
de pensar que irão substituir a Presidente da República em caso de impeachment,
ou mesmo de sucedê-la, eventualmente, tranqüilo e normalmente,
por meio do voto.
Qualquer liderança que representar
ameaça para o projeto de poder em curso – que, mais uma vez, não se iludam os
incautos, parece não se tratar de outra coisa – poderá vir a ser eventualmente
envolvida na maré de acusações e afastada da vida pública, com as suas cabeças
rolando, uma por uma.
A única esperança de retorno a uma
situação de normalidade mínima está, no curto prazo, na interrupção negociada,
inteligente e equilibrada, do processo de strip-tease, de MMA mútuo, público e
suicida dos diferentes partidos e lideranças aos olhos da opinião pública.
E no fim da busca de soluções
extemporâneas para a disputa do poder – qualquer singularidade só pode
beneficiar forças externas ao ambiente político – com um retorno ao calendário
e aos ritos de praxe, o que implica na defesa institucional e organizada, por
parte da classe política, de sua imagem frente à opinião pública, seguida de
uma disputa programática e civilizada nas próximas eleições, que serão
realizadas em menos de um ano.
Isso não bastará, naturalmente, para
terminar com o processo de desgaste intencional da atividade pública que está
se aprofundando, com enorme e deletério sucesso, e que pretende, entre outras
coisas, substituir os “políticos” clássicos, hoje abertamente reputados como
“sujos”, por impolutos e heroicos justiceiros messiânicos, que
gozam de poder para, se quiserem, tentar governar indiretamente o país por meio
de pressões e prisões, ou para fazer uma súbita e “surpreendente” irrupção no
universo político.
Mas, pelo menos, poderá levar a atual
geração de homens públicos – em última instância herdeira da representação
popular por meio do voto – a fazer frente, unida, cerrando fileiras,
independente de sua orientação política, a pressões externas, senão em defesa
de si mesma, ao menos do Parlamento, como um poder independente, e da própria
Democracia, no lugar de se arriscar a sair da vida pública e a entrar na
história, um por um, submissos e humilhados, com as mãos nas costas, e a sua
biografia arrastada na lama.
Essa reação não impedirá que, embalados
pela mídia e as campanhas iniciadas pela própria oposição, personagens oriundos
das operações em curso venham a se sentir tentados a participar, também,
diretamente, do processo político, transformando-se eventualmente em
candidatos, nos próximos pleitos.
Como o Aedes Aegypti, a mosca azul pode picar qualquer um,
e o seu vírus é mais poderoso que o da dengue ou que o da chikungunya.
Como um procurador fez questão de
lembrar, há poucos dias, há operações que estão em curso – que eram vistas
inicialmente como uma forma de tirar o PT do poder - que deverão durar
pelo menos pelos próximos 10 anos.
Isso as transforma, como um touro
trancado em uma loja de louças - em um elemento novo, incontrolável e
permanente – que deverá ter seus efeitos analisados, avaliados e eventualmente
corrigidos e limitados, por quem de direito na Praça dos Três Poderes – no
contexto do processo econômico, social e político brasileiro.