FCO.LAMBERTO FONTES
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28 de Março de 2016
SEM PROVAS CONTRA DILMA,
1 - A primeira denúncia de pedaladas envolvia gastos do Tesouro para sustentar
programas sociais mas isso deixou de fazer sentido quando se verificou que,
através de uma conta suprimento mantida na Caixa, eles traziam retorno
positivo, e não negativo, aos cofres públicos.
2 - Alvo permanente de ataque dos adversários do governo, os empréstimos do
Tesouro ao BNDES não resistem a um encontro de contas histórico. Aquilo
que o Estado brasileiro colocou no banco de desenvolvimento -- um dos maiores
do mundo -- atinge uma soma 20 vezes maior do que supostamente estaria lhe
devendo.
3 - Também se divulgou que o governo havia cometido um pecado contábil,
empregando "decretos não numerados" para redefinir seus gastos. O
termo "não numerado" até foi usado como se pudesse sugerir alguma
prática oculta. Na verdade, é uma pratica corriqueira da administração
pública, que toda pessoa pode acessar através do site do Palácio do Planalto.
Os presidentes costumam assinar dezenas e até centenas "decretos não
numerados" num único dia, como ocorreu no governo Itamar Franco. Com
números diferentes, a mesma prática se viu na gestão de FHC, Lula e Dilma.
4
- O ponto essencial, contra a denúncia das pedaladas, consiste na dificuldade em
apontar, no ano fiscal de 2015 -- o único em que pode ser levado em conta
num pedido de impeachment -- qual teria sido o prejuízo de alterações
contábeis, todas previstas em lei, realizadas de forma a não alterar as contas
finais do Estado e nem mesmo os gastos autorizados de cada ministério. A
dificuldade para pedir o afastamento da presidente tornou-se tecnicamente
intransponível depois que, em maio de 2015, o governo Dilma
realizou um contingenciamento de R$ 69,9 bilhões, o maior da história,
envolvendo uma soma tão colossal que é mais razoável criticar a decisão por
excesso de zelo e não por falta de cuidado no manejo das contas públicas.
A falta de uma base real para pedir o afastamento da presidente ajuda a entender
o mal-estar registrado por vários analistas políticos, inclusive Roberto Pompeu
de Toledo, que, na mais recente edição da VEJA, admite em tom pessimista:
"Minguam as esperanças de que venha a acabar bem uma crise cuja capacidade
de trazer os nervos à flor da pele só encontra paralelo nas de 1954 e 1964. As
sequelas podem se estender anos a fio."
Uma das principais estudiosas da Operação Mãos Limpas, fonte de inspiração para
a Lava Jato de Sérgio Moro, em entrevista recente a socióloga italiana Donatella
della Porta, coloca uma questão na mesma linha. Comparando a política italiana
e a brasileira, admite que pode-se esperar uma resistência popular, no Brasil,
que nunca se viu na Itália da década de 1990, quando os grandes partidos
políticos foram desmantelados pelas denúncias de corrupção. Autora citada pelo
próprio Moro em seu conhecido artigo sobre a Mãos Limpas, Della Porta diz:
-- Os contextos brasileiros e italianos são diferentes. No caso italiano, os
principais alvos da Mãos Limpas não tinham um legado que poderia ser defendido.
Vendo a situação brasileira hoje, parece evidente que muitos ainda têm na
memória recente reformas sociais realizadas pelos governos petistas e pretendem
defendê-las. Os democrata-cristãos não tinham nada parecido para mostrar a
população italiana.
Em dezembro, quando o Supremo revogou o ritual de impeachment aprovado a toque
de caixa pela Câmara, o decano Celso de Mello integrou a maioria vencedora, com
um voto que recomendava extrema cautela a quem pretendia obter o afastamento da
presidente através dos tribunais. Em tom de advertência, o ministro recomendou
um cuidado especial com o julgamento de presidentes da República, lembrando que
um caso dessa natureza não poderia ser tratado como uma denúncia igual a todas
as outras. Escrevi neste espaço:
"Celso de Mello aproveitou o debate para lembrar um ponto que tem sido
esquecido. Sublinhou que mesmo o afastamento provisório de um chefe de governo,
para que seja julgado pelo prazo máximo de 180 dias, como prevê a lei,
constitui um fato tão grave, e pode ser muito prejudicial aos destinos de um
país. Lembrou juristas importantes, como Sampaio Dória, que recomendavam manter
uma postura ponderada no julgamento de um chefe de Estado, capaz de levar
em conta não apenas aspectos jurídicos, mas também suas sequelas políticas,
econômicas e sociais. Uma afirmação surpreendente, feita por um magistrado que
não pode ser acusado de possuir qualquer simpatia particular pelo governo Dilma
Rousseff."
Além da fragilidade em si, a denúncia de pedaladas contém um elemento de auto
combustão considerável. Sua origem encontra-se no Tribunal de Contas da União,
endereço de múltiplas assombrações envolvendo denúncias em Brasília, mas com
uma participação especial. O ex-deputado Augusto Nardes, relator do caso
no TCU, é ele próprio investigado por corrupção. Um dos casos, envolvendo uma
propina de R$ 2,6 milhões, a investigação encontra-se parada no STF porque
Nardes tem foro privilegiado. Em outro, apareceram R$ 500 000 na denúncia de um
acerto envolvendo a empreiteira Camargo Correa.
Num país
que já assiste à atuação do suíço Eduardo Cunha na condução do impeachment na
condição de protagonista, a presença de Augusto Nardes como parceiro e
inspirador da denúncia a ser empregada para tentar afastar Dilma equivale a uma
dupla provocação. Causa um constrangimento enorme, por mais que a mídia grande
se esforce para esconder a grande questão colocada do caso: verdadeiro juiz do
impeachment enquanto o debate permanecer na Câmara, numa atuação que cobra
isenção e distanciamento, o suíço Cunha e seu aliado do TCU respondem a
acusações documentadas e graves, sem a menor relação com as insinuações e
suposições -- no máximo -- que são lançadas contra Dilma Rousseff.
Cumprindo uma
função essencial para o golpe, Eduardo Cunha enfrenta o risco permanente de uma
explosão capaz de jogar o edifício inteiro pelos ares. É mais um elemento para
justificar a pressa.
A posição
estatégica de Eduardo Cunha num golpe de Estado promovido em nome da moralidade
confirma uma grande verdade.
Desmentindo a ordem natural das coisas no mundo
político,
estamos numa situação em que a farsa antecede a tragédia.