FCO.LAMBERTO FONTES
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O jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
Vários
amigos me enviaram o vídeo de uma reportagem de
aproximadamente cinco minutos da GloboNews sobre a vida dos prisioneiros da
Lava Jato em Curitiba.
Num
determinado momento, a câmara entra na biblioteca usada pelos condenados e,
depois de mostrar a capa de grandes clássicos da literatura, faz uma pausa um
pouco mais demorada para focalizar em grande destaque a capa de "A Outra
História da Lava Jato", que publiquei no final de 2015.
Conforme
a reportagem, a presença da obra, nas dependências da penitenciária,
"chama a atenção". Em seguida, em tom de justificativa para a própria
observação, pois sempre caberia uma pergunta ("chama a atenção de quem,
cara pálida?"), a Globonews acrescenta: o livro "traz uma visão
crítica sobre a operação."
Então
está tudo explicado.
Num país onde a liberdade de expressão é princípio
constitucional, uma emissora que integra um dos maiores grupos de comunicação
do mundo acha estranho que a biblioteca de uma penitenciária apresente uma obra
com uma "visão crítica sobre a Lava Jato."
Não
é um livro bom, ruim, péssimo.
Nem pertinente, nem cretino.
O problema, a
notícia, é que tem uma visão "crítica."
"Chama
a atenção" por se encontrar numa estante, que é o lugar onde os livros
podem existir e respirar suas verdades, sonhos e pesadelos, um ambiente tão
natural como um computador em cima da mesa, uma escultura no museu, um
filhote brincando num quintal.
"Chama atenção" porque faz um debate
que nem a Globo nem a Globonews teve coragem de enfrentar, sobre Direito,
Política e Democracia, preocupação de um grande número de juristas e
personalidades democráticas do país.
Antes
de encontrar o livro na biblioteca de uma penitenciária, a GloboNews nunca teve
sua atenção despertada por "A Outra História da Lava Jato".
A obra
foi ignorada na época do lançamento, ainda que um jurista como o ministro Marco
Aurélio Mello, do STF, assine a nota de contra capa, e a emissora possua
numerosa equipe de entrevistadores, que, entre outras atrações, mantém um
programa dedicado à literatura -- de boa qualidade, convém admitir.
Embora
seja uma obra com tiragem modesta, de uma editora pequena, sem grandes esquemas
de lançamento, e todos os adjetivos que você quiser acrescentar, o esforço
deliberado para tratar "A Outra História..." como um não-livro
reproduz o tratamento que sistemas totalitários reservam a dissidentes,
não-pessoas.
Vem daí o estranhamento de que um livro seja tratado como... um
livro.
Não pode.
Chama atenção.
Esse
tratamento chegou ao ponto máximo no final de novembro. quando subi ao
palco do auditório do Parque Ibirapuera para receber o Jabuti, principal prêmio
de literatura do país, segundo lugar na categoria Reportagem e Documentário.
Silêncio, mais uma vez.
Uma
observação esclarecedora. Na mesma reportagem a GloboNews ignorou que, na mesma
biblioteca da mesma penitenciária, para os mesmos cidadãos encarcerados, também
se ofereça "Lava Jato", de Vladimir Neto, repórter da casa. Em minha
opinião, uma obra apenas laudatória em tempos de horror e perigo.
Não importa.
Está lá para quem quiser ler.
Numa
reação comum em situações como essa, alguns amigos acham que, seguindo a máxima
cunhada pelo inesquecível Carlos Imperial, eu deveria celebrar os segundos
dedicados ao livro com a frase:
"Falem mal, mas falem de mim."
Reconheço que pode fazer algum sentido num ambiente de miséria absoluta e
impotência diante do monopólio da comunicação no país.
Mas no fundo é o reflexo
de muita derrota, muito pessimismo.
Não é uma resposta para uma nação ou um
povo que precisa de informação.
Mas para um monte de merda.
E
assim chegamos a mais uma descoberta entre tantas que pudemos fazer neste
terrível ano de 2016.
Coisa de ditaduras grandes, aquelas que envergonham
contemporâneos e traumatizam descendentes, produzem cenas lamentáveis e
episódios grotescos como denunciar obras dissidentes.
Quando teremos a primeira
fogueira?
O ponto
escandaloso é registrar que há mais pluralidade
-- um traço essencial da
democracia e da liberdade --
na biblioteca de uma penitenciária do Paraná do
que no jornalismo da GloboNews