FCO.LAMBERTO FONTES
Trabalha em JORNALISMO INTERATIVO
Mora em ARAXÁ/MG
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A
deterioração
da ética
pública
na era
Temer
Na
disputa da vaga aberta no STF pela aposentadoria de Carlos Aires Brito,
despontou como "candidato" com maiores chances à indicação
presidencial o Prof. Heleno Torres. Chegou a ser recebido pela Presidenta Dilma
Rousseff no Palácio da Alvorada, que, segundo se fez circular, batera o martelo
em seu favor, mas lhe pedira absoluta discrição enquanto não houvesse anúncio
oficial do nome. Heleno, porém, com forte apadrinhamento no STF e no governo,
não honrou o pedido da Presidenta. Almoçando em elegante restaurante dos
Jardins em São Paulo, na companhia do então Advogado-Geral da União, Luis
Inácio Adams, deu com os dentes na língua e falou pelos cotovelos, a comemorar
antecipadamente a indicação. Presenciado por gente da imprensa, o fato
espalhou-se como fogo de palha e gerou enorme constrangimento para a Presidenta
e o próprio "candidato". O resultado não tardou: Heleno Torres
tornou-se, talvez, o primeiro caso de martelo "desbatido" na história
das supremas indicações. Tentou desesperadamente contato com a Presidenta para
se justificar, sem sucesso. Dilma não atendeu. A deslealdade não merecia
tratamento diverso.
É
oportuno lembrar esse episódio no atual momento político, no qual o Sr.
Alexandre de Moraes se encontra em maratona de lobby para fazer seu nome ser
aprovado pelo Senado Federal. Na sua extrema ambição pessoal, o atual
"candidato" não difere muito de Heleno Torres. Mas os tempos são
outros.
Alexandre
de Moraes também é tudo menos discreto. Divulgou a escolha para amigos e
conhecidos antes mesmo dela se tornar oficial. Embora noticiada, a deselegante
indiscrição não produziu nenhuma consequência. Temos um "presidente"
pouco preocupado com isso. Imagem pública não é seu forte mesmo. Autoridade moral
para cobrar lealdade, muito menos ainda.
No
mais, Temer sabe perfeitamente quem escolheu:
Escolheu
quem no exercício do cargo de Secretário de Segurança do Estado de São Paulo
foi de notória truculência com manifestantes e dirigiu uma polícia campeã em execuções
sumárias.
Escolheu
quem na vida acadêmica só fez nome entre concurseiros, não entre doutrinadores.
Escolheu
quem enche linguiça em seu currículo Lattes, fazendo constar até mesmo que
iniciou programa de pós-doutorado antes de ser mestre e no início do doutorado.
Escolheu
quem foi flagrado publicamente na prática de plágio em obra publicada como sua.
Escolheu
quem como ministro da justiça foi uma nulidade, suspendendo durante toda a sua
gestão as ações da pasta e revelando-se mais preocupado com a promoção pessoal.
Escolheu
quem na condição de ministro de Estado fez visita a um controvertido juiz de
piso, para render-lhe suas homenagens.
Escolheu
quem não soube guardar segredo do cargo e antecipou a eleitores a realização de
operação policial sigilosa em sua cidade.
Escolheu
quem negou pedido desesperado de uma governadora nortista de envio da Força
Nacional para debelar o risco de motins no sistema penitenciário, tornando-se
co-responsável pela morte de mais de uma dezena de brasileiros decapitados.
Escolheu
quem, na cobrança pela sua omissão, negou ter sido solicitado pela governadora,
sendo depois publicamente por ela desmentido, com exibição da troca de
comunicação escrita.
Escolheu
quem fez papel de garoto-propaganda, capinando maconha em território de
fronteira.
Escolheu
quem não respeita os direitos constitucionais dos povos indígenas e determinou
a revisão de portarias de reconhecimento do indigenato.
Escolheu
quem não sabe debater em público e exige de quem o desafia que "cale a
boca".
Em resumo, escolheu um "troublemaker",
um criador de caso, não alguém com perfil de magistrado.
Salta
aos olhos que o Sr. Alexandre de Moraes não atende os requisitos
constitucionais para o cargo de ministro do STF.
O
escândalo dessa indicação não termina aqui. Noticia-se que o Sr. Alexandre de
Moraes pediu licença não-remunerada do Ministério da Justiça em plena crise de
segurança pública que assola várias cidades do país, para se autopromover nos
gabinetes do Senado, mais preocupado com a sabatina. Deixou, portanto, o
ministério acéfalo. E como se não bastasse, ainda foi flagrado em rega-bofe a
bordo de uma embarcação-motel no Lago Paranoá, no conchavo secreto com
senadores que deverão questioná-lo em poucos dias sobre sua aptidão ao cargo.
Não é possível imaginar mais desavergonhada exposição de quem almeja a mais
alta magistratura do país.
Mas
não se pense, nem se reivindique, em tempos de baixa moral e ética pública
dilacerada por um golpe de trambicagem na democracia, que o martelo seja
“desbatido”. Pelo contrário, os representantes das elites do serviço público
atropelam-se pressurosos nos usuais salamaleques ao escolhido, como que
concordando com suas práticas. A esperteza vence a discrição e o espírito
público, próprios de Teori Zavascki, ministro recém-falecido de forma trágica e
prestes a ter seu lugar na Corte usurpado pelo Sr. Alexandre de Moraes. No
espantoso campeonato de devoção subalterna concorrem a Associação Nacional dos
Procuradores da República, o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais, a
Associação Nacional do Ministério Público, a Associação Nacional dos
Magistrados e por aí vai. Fazem um esforço enorme para honrar quem não merece
honrarias, quando deveriam, como representantes de carreiras destinadas a
garantir a legalidade, questionar a escolha feita de afogadilho, sem qualquer
preocupação com o escancarado partidarismo do cidadão agraciado.
Tristes
tempos! E ainda ousam comparar esse senhor com o saudoso senador e ministro
Paulo Brossard, com quem tive a honra de trabalhar. Liberal conservador
cultíssimo e franco oposicionista à ditadura militar, Brossard foi feito
ministro do STF quando era Ministro da Justiça e filiado a partido político no
governo. Mas as coincidências com o Sr. Alexandre de Moraes limitam-se a esses
dois últimos aspectos.
Como
senador e ministro, Paulo Brossard teve compostura.
Deu-se
o respeito.
Não
fez declarações partidárias, não participou de campanhas eleitorais quando no
ministério.
Respeitou
a Polícia Federal e não anunciou operações.
Foi
ministro e não militante político enquanto titular da Pasta da Justiça.
Não
se afastou para fazer chamego em senadores, não pediu nada a ninguém.
Obedeceu
rigorosamente à liturgia do cargo.
Jamais
se permitiu usar da filiação partidária para decidir desta ou daquela forma.
Foi,
em suma, um indiscutível republicano.
Compará-lo
com essa nova espécie de maratonista na gincana rumo ao STF não só não lhe faz
justiça. Insulta a sua memória.
Este
é apenas mais um episódio a comprovar nossa degradação moral e ética depois do
arrastão dos trombadinhas aninhados no poder. É sofrido dizê-lo; é sofrido ver
tanta vilania ser aplaudida, como se natural fosse, como se fizesse parte da
rotina da governação. Longe de agir como Dilma Rousseff no episódio de Heleno
Torres, Temer pouco se importa. Talvez até se divirta.
Depois
disso nada mais nos surpreende. Com o golpe parlamentar, embrutecemos de vez na
banalidade da falta de vergonha ante escancarado desvio de poder às nossas
barbas. Que se cuidem nossas instituições, pois a cada dia o respeito da
sociedade por elas mais se desvanece.
Ao
final, sem autoridade, não haverá quem possa governar o Brasil.